domingo, 24 de fevereiro de 2008

Enquanto as defensorias reclamam da falta de profissionais...

O presidente da Comissão de Exame de Ordem, da seccional Rio, Marcello Oliveira, concedeu entrevista para o Jornal dos Advogados. Ele afirma que o principal objetivo de um exame de Ordem não é reprovar o maior número de bacharéis; e sim o de apenas permitir o ingresso nos quadros da OAB de profissionais preparados. Marcello tem 33 anos e é especializado em Direito Empresarial, formado pela PUC Rio. Além de ser um profissional reconhecido em sua área, Marcello é professor da cadeira de Processo Civil da PUC.

Jornal dos Advogados – Quais são as principais atribuições da Comissão de Exame de Ordem e o que é, basicamente, o exame?
Marcello Oliveira – O exame de Ordem é um dos requisitos para a inscrição dos advogados nos quadros da OAB, segundo a própria Lei nº 8906, de 1994, a lei que trata da atividade da advocacia. A função da comissão é a de organizar a realização do exame, desde a inscrição até a divulgação dos resultados, passando pela elaboração, aplicação e correção da prova; além da correção dos recursos que eventualmente sejam interpostos pelos candidatos até a apresentação dos resultados finais. A prova realiza-se em duas fases. A primeira é a prova objetiva, em que o candidato é submetido a 100 questões objetivas. A segunda fase consiste em uma prova dissertativa em que o candidato responde a seis questões, sendo uma a elaboração de uma peça profissional e as outras cinco o candidato tem que responder a "questões-problemas".

Jornal dos Advogados – Quando o senhor assumiu, qual foi o quadro encontrado na comissão?
MO
– Havia muitas críticas ao exame em relação ao tratamento das informações; havia muitos boatos de vazamentos para cursos preparatórios do conteúdo da prova. Isso maculava a imagem do exame de Ordem e institucionalmente enfraquecia a entidade. Além disso, também havia boatos de interferência do corpo docente da Escola Superior de Advocacia (ESA) na elaboração da prova e isso, de alguma forma, tornava o exame um instrumento frágil para a avaliação dos candidatos.

Jornal dos Advogados – A segurança da prova, efetivamente, era boa?
MO
– Nossa avaliação, por causa desses elementos descritos antes, era que a segurança não era boa. O tratamento da informação era muito precário. A partir de um diagnóstico inicial da situação, nós buscamos as soluções compatíveis. A primeira solução foi trazer uma entidade que é reconhecida em âmbito nacional pela qualidade na aplicação de provas e concursos públicos, que é o Centro de Seleção e de Promoção de Eventos da Universidade de Brasília (CESPE). O CESPE nos ofereceu uma logística de organização, impressão e aplicação da prova que a OAB/RJ não tinha. Como disse antes, diagnosticamos a situação, observando a segunda fase do 31º exame. Assim, diagnosticamos que um dos grandes problemas era a prova ser diagramada na OAB/RJ; vários funcionários tinham acesso a essa prova; ela era impressa em uma gráfica próxima da sede sem nenhum tratamento de sigilo da informação, com as chapas e fotolitos todos expostos; não havia controle do acesso e da saída desses funcionários.

Jornal dos Advogados – Havia então a possibilidade de funcionários da gráfica e da própria OAB/RJ vazarem a prova?
MO
– Sem dúvida! Quanto maior o número de pessoas com acesso ao conteúdo de uma prova que interessa a cerca de oito mil candidatos, maiores são as chances de vazamento. Então, essa prova ia para a gráfica na véspera do exame, que normalmente era aplicado no domingo; a prova "dormia" na sede da OAB. A prova era guardada na sala da comissão, também sem a menor segurança! Assim, a prova ficava na OAB de sábado para domingo sem nenhum tratamento de sigilo, sem qualquer preocupação com o controle de acesso a essas provas e no dia seguinte ela era levada aos candidatos para ser aplicada. Da mesma forma, a saída dessas provas do local de aplicação não tinha segurança. O corpo de funcionários da OAB se organizava; os fiscais eram recrutados de uma forma amadora e após a aplicação da prova ela era retirada e levada de volta à OAB. Este era mais um ponto de possível vazamento. Não tivemos evidências concretas desses vazamentos terem ocorrido, mas identificamos, com bastante facilidade, alguns pontos de incerteza, de instabilidade na segurança que poderiam comprometer todo o sistema.

Jornal dos Advogados – O que o CESPE mudou nessa situação específica da gráfica?
MO
– Por exemplo: a impressão de nossa prova em uma gráfica protegida por câmeras, acessos digitais na entrada e saída; um número bem reduzido de funcionários com acesso à impressão da prova.

Jornal dos Advogados - Quais foram as mudanças relativas à Banca Examinadora?
MO
– Estruturamos uma Banca com 45 examinadores, atendendo ao Provimento do Conselho Federal de 2005, que exige desses examinadores a inscrição nos quadros da OAB datada de pelo menos cinco anos e experiência didática. Nós fomos muito além com a nossa Banca. Buscamos profissionais também com experiência acadêmica, com uma parte significativa de doutores e mestres; mesmo aqueles que não têm esses títulos são reconhecidos na sua área pela excelência do seu trabalho. No entanto, não houve de nossa parte a intenção de ser mais rigoroso na aplicação do exame. Houve, sim, a intenção de realizar uma prova qualificada.

Jornal dos Advogados - Agora a OAB/RJ optou pela adesão ao Exame Nacional que o Conselho Federal da Ordem está organizando. O primeiro exame já dentro do unificado ocorrerá em janeiro. Por que essa opção?
MO
– Essa opção é muito mais institucional do que acadêmica. Nos parece que não haverá uma queda de qualidade na prova. Formou-se uma Banca Examinadora Nacional, que é composta por membros indicados por cada região do país. O Rio de Janeiro indicou Carlos Roberto Barbosa Moreira. Com o exame unificado, o Conselho Federal terá um quadro uniforme do Brasil. Assim, teremos como comparar o desempenho de alunos egressos de uma faculdade no Recife com aqueles que saíram, por exemplo, de uma faculdade do Rio.

Jornal dos Advogados - O CESPE também vai organizar essa prova unificada?
MO
– O CESPE também vai organizar o unificado.

Jornal dos Advogados – Quantas seccionais participarão desse unificado?
MO
– Serão 23 seccionais. Só não tivemos a adesão ainda do Rio Grande do Sul, Minas e São Paulo. Serão 34 mil candidatos que participarão do próximo unificado em todo o país.

Jornal dos Advogados – Tradicionalmente, a média de reprovação é muito alta nos exames. A que o senhor atribui essa característica?
MO
– Se analisarmos o número de novas faculdades criadas recentemente, entenderemos essa média alta de reprovação com facilidade. Em 1992, no Rio de Janeiro, existiam 15 faculdades de Direito. No Brasil, naquele ano também, existiam 165 faculdades. Atualmente, esse número pulou de 15 para 102 no Rio e de 165 para 1100 em todo o país. O crescimento desse negócio foi exponencial. Conseqüentemente, é exponencial o número de egressos das faculdades de Direito no mercado de trabalho. Assim, se o número de cursos jurídicos aumenta exponencialmente, e a flexibilização do ingresso dos alunos nesses cursos também aumenta, é claro que a formação básica desse bacharel será insuficiente.

Jornal dos Advogados – Na verdade, muitas dessas faculdades ou não fazem o vestibular ou são pouco exigentes para a admissão do aluno...
MO
– Tive a oportunidade durante esse ano em que estou à frente da Comissão de Exame de Ordem de analisar sites na Internet de algumas faculdades, algumas até bem conhecidas. Observei que a prova de ingresso não é nem o vestibular tradicional; aquele vestibular que normalmente se praticava quando éramos estudantes há dez anos, por exemplo. Hoje em dia, algumas dessas faculdades exigem apenas uma redação e a nota mínima para a aprovação é "3". Assim, com um suposto aumento do rigor no exame, a OAB se tornou o grande vilão da história quando, na verdade, o que há é um verdadeiro estelionato da parte de determinadas faculdades, que vendem para o aluno o sonho de ingressar no mercado de trabalho e de, eventualmente, fazer um concurso público e conquistar uma posição confortável. Mas essas faculdades, em sua maioria, não mostram para os alunos quais são as suas deficiências. Muitas vezes, hoje, os bacharéis se voltam contra a OAB por causa de nosso rigor nos exames, mas isso é injusto, já que, por lei, é a Ordem que tem a obrigação legal de examinar o candidato.

Jornal dos Advogados – O senhor poderia até esclarecer a respeito de uma tese que diz que os bacharéis teriam o direito natural à profissão, sem passar pelo exame da Ordem. Essa tese está sendo levada tão a sério que parlamentares querem que ela vire lei.
MO
– O exercício da advocacia não é pré-requisito para o bacharel realizar certos concursos públicos, que até têm um conteúdo forte em relação ao Direito. Ou seja, o bacharel tem essa vantagem em relação a outras profissões. Há uma percepção absolutamente distorcida de que aquele bacharel de Direito necessariamente deve se tornar advogado. Já a OAB tem a prerrogativa legal de identificar aquele bacharel verdadeiramente apto para ingressar nos seus quadros. Os discursos falaciosos têm que ser desmontados. Um deles diz que a OAB restringe o mercado de trabalho. Isso não é verdade, já que, mesmo com o índice de reprovação nos exames sendo tradicionalmente alto, o contingente de advogados que entra anualmente no mercado de trabalho também é altíssimo. Por ano, são aprovados quase quatro mil novos advogados apenas no Rio de Janeiro. O que a OAB não pode é admitir que determinados bacharéis que não têm uma formação básica sejam advogados. O prejuízo, se esses bacharéis despreparados fossem aprovados é da própria entidade.

Jornal dos Advogados – O prejuízo também seria da própria população, que pode ter o seu direito gravemente prejudicado por um profissional inábil...
MO
– Exatamente! Com o exame, o candidato tem condições de acesso a um mercado que exige enorme responsabilidade. Isso, por si só, já é um motivo para que a OAB imponha a seriedade no processo seletivo.

Jornal dos Advogados – Já começam a surgir propostas até no Senado pelo fim do Exame de Ordem. O que o senhor pensa disso?
MO
Esse tipo de projeto é de um grande oportunismo. Esse oportunismo surge a partir do momento em que se identifica um grande contingente de bacharéis que não consegue a aprovação no Exame de Ordem. A partir disso, alguns senadores e deputados vislumbraram uma grande oportunidade de arrebanhar um eleitorado que se identifica com esse tipo de causa. Não consigo ver mérito no projeto. Também não vejo mérito num projeto que tramita na Assembléia Legislativa do Rio, que pretende criar uma frente parlamentar contra o exame. Esses projetos não se propõem a debater com profundidade a questão. Aliás, a OAB nunca foi chamada a debater a posição desses parlamentares no Estado. Outra falácia é que os autores desses projetos dizem que a OAB "lucra" com a reprovação maciça dos bacharéis, já que eles pagam para fazer os exames. Se a questão fosse dinheiro, valeria muito mais para a OAB que todos os candidatos passassem e pagassem a anuidade da Ordem, que é três vezes superior ao valor da taxa cobrada para fazer o exame, além da perspectiva de pagamento das anuidades posteriores.

Jornal dos Advogados – O que esses projetos pretendem, e é bom que isso seja entendido, é a aprovação automática de todos os candidatos. Isso inundaria o mercado com profissionais despreparados e, conseqüentemente, desvalorizaria a profissão; sem contar o grave prejuízo à população em geral. Por isso, o Sindicato dos Advogados é contra esse tipo de projeto...
MO
–A existência de profissionais despreparados que desconhecem suas prerrogativas de classe desvaloriza a profissão. Há magistrados propagando que a atividade do advogado é desnecessária; existem juízes que nas hipóteses em que dispensável a presença de advogado em audiência até coagem as partes. O advogado despreparado representa um grande perigo para a administração da Justiça.

Jornal dos Advogados – Como o senhor vê a fiscalização dessas faculdades pelo MEC?
MO
– A fiscalização do MEC tem sido a mais falha possível. Durante os últimos três anos, o Conselho Federal da OAB rejeitou 50% dos cursos jurídicos apresentados; e o MEC passou por cima do Conselho Federal e reconheceu esses cursos. De fato, o MEC, pela lei, não precisa acatar os pareceres do Conselho Federal. De qualquer forma, há agora entendimentos entre o MEC e a Conselho Federal pra que essa fiscalização seja mais rigorosa; inclusive, comparando os resultados do Exame de Ordem Unificado com o Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes (ENADE), realizado anualmente pelo MEC. Recentemente, foi elaborada uma lista com os 90 piores cursos de Direito do país, utilizando esses critérios de comparação. A partir da repercussão que essa lista gerou na sociedade, houve o compromisso do MEC com o Conselho Federal de atuarem em conjunto na identificação de cursos que têm problemas de estruturação, de funcionamento e, com isso, provocá-los, estimulá-los a melhorar. Há uma grande esperança em relação a essa atuação conjunta, mas, até agora, não há um efeito concreto dessa atuação.

Jornal dos Advogados - Qual é a situação das faculdades de Direito aqui no Rio?
MO
– No Rio a situação é preocupante porque grande parte dos cursos do país se concentra em nosso estado. São 102 cursos somente em nosso estado em um total de 1100 em todo país. Ou seja, quase 10% dos cursos estão no Rio. Em relação ao numero de candidatos aos exames de Ordem nós só perdemos para São Paulo. Então, aqui, esse contingente de estudantes que sai a cada período das faculdades é ávido para ingressar no mercado de trabalho. Ocorre que essa enorme massa de bacharéis esbarra no controle profissional que a OAB impõe.

Jornal dos Advogados – Com a adesão da OAB/RJ ao Exame Nacional Unificado, quais são seus projetos para a Comissão que o senhor preside?
MO
– A função agora da comissão passou a ser a de fiscalizar a qualidade do exame. Nós acreditamos que, com a entrada do Rio no unificado, as questões burocráticas foram resolvidas. Nós teremos mais qualidade e rapidez na entrega dos resultados, por exemplo. Todas as seccionais vão divulgar seus resultados na mesma data. Como o Rio indica um membro para a Banca Nacional, estaremos permanentemente alertas para quaisquer problemas não só na aplicação, como também em relação ao conteúdo do exame. Isso para que o exame não seja excessivamente rigoroso, porque a intenção não é a de reprovar; mas o exame também não pode ter um conteúdo tal que permita que pessoas desqualificadas ingressem nos quadros da OAB. Todas as decisões do unificado são tomadas por um colegiado nacional. Esse órgão, claro, faz com que qualquer mudança seja implementada de forma lenta. Por outro lado, as mudanças são mais sólidas, já que são debatidas em todo país. Para o candidato também há muitas vantagens. Por exemplo, o recurso a alguma questão da prova objetiva que é interposto por um candidato de outro estado pode beneficiar o candidato do Rio caso a questão seja anulada. O debate que ocorrer na seccional de Mato Grosso em torno de uma questão da prova de prática profissional vai interferir no Rio também. Assim, esse colegiado vai deliberar uniformemente as medidas que têm que ser adotadas. Esse debate nacional em torno do exame, esse fortalecimento do exame, será muito benéfico para a OAB do ponto de vista institucional.

-- http://www.sindadvogados-rj.com.br/25012008_entrevista.php



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