domingo, 24 de fevereiro de 2008

Lição de Cidadania


Assim é que se faz colegas: ao ver o seu, o nosso direito ameaçados, devemos incontestes buscar tutela jurisdicional sob pena de nunca mais poder reinvindicá-lo...Vejam o exemplo dado por RICARDO BRAJTERMAN
Mestre em Direito Constitucional pela PUC-RJ, onde leciona Processo Civil,
há sete anos.
Ele também é Juiz do Tribunal de Ética da OAB/RJ .

Fiquei extremamente preocupado quando soube, pelas "Noticias da Rua Judaica", que a Viradouro faria menção ao Holocausto no seu desfile, colocando um carro alegórico com centenas de cadáveres de judeus nus, precedido de um passista caracterizado de Hitler. Mesmo sendo tarde da noite e véspera de uma viagem de férias para o exterior, senti que deveria agir para evitar tamanho descalabro: o genocida sambando na avenida e os judeus mortos atrás. Pedi a Osias Wurman que colocasse nosso Presidente da Fierj, Sergio Niskier, em conferência telefônica, e ele acabou confiando a mim a missão de adotar as medidas judiciais contra a escola de samba. Antes, contudo, liguei para o Sergio Bermudes, do qual sou sócio no escritório de advocacia, que, horrorizado com os fatos, lembrou do caso Herzog, por ele defendido, no auge da ditadura, e do juramento do bacharel em direito que, ao se tornar advogado, compromete-se "a nunca renunciar às causas da Humanidade". Assim, lutando contra o tempo, larguei o que estava fazendo e voltei ao escritório para redigir a ação em nome da Fierj (sem qualquer interesse pecuniar), com os documentos que estavam sendo enviados, por e-mail, pelo Dr. Jacksohn Grossman, diretor-jurídico da nossa Federação.
Ãs 04h00min da manhã a petição inicial ficou pronta e o processo foi distribuído para o Juízo de Plantão, ocupado naquela madrugada pela Exma. Sra. Dra. Juíza Juliana Kalichszteim. Após cuidadosa análise dos fatos e do direito, foi deferida a liminar contra a Viradouro, como faria qualquer juiz, independente da sua religião ou etnia. Apesar da escola de samba dispor de tempo hábil, ela preferiu abrir mão do seu direito de recorrer, reconhecendo que, com essa atitude, praticaria um ato extremamente reprovável. O Holocausto pode e deve sempre ser lembrado de forma séria e respeitosa, afim de que as gerações posteriores ao horror nazista evitem sua repetição. A singela menção ao Holocausto, inserida no meio de um desfile carnavalesco, SEM AS NECESSÁRIAS ADVERTÊNCIAS DA SUA GRAVIDADE, como pretendia a Viradouro, produziria um efeito perverso. Transformaria tragédia tão dolorosa, em algo frívolo e banal. O nosso processo judicial conseguiu, então, evitar que o horror nazista fosse tratado de forma trivial e apequenado. Depois da forte maratona para defender a memória de nossos parentes, amigos e tantos desconhecidos vitimas da arbitrariedade, não tenho a menor vergonha de dizer que, em 10 anos no desempenho da advocacia, esta foi a primeira vez em que uma decisão judicial me fez chorar, porque eu gostaria de ter tido a oportunidade de celebra-la com os meus amados avós paternos e maternos que, lamentavelmente, viveram subjugados, e nunca tiveram a chance de se impor contra o mal que abalou a época em que viveram.

Roma, fevereiro de 2008

"A FIERJ, Federação Israelita do Estado do Rio de Janeiro acaba de mostrar ao mundo como deve agir um grupo organizado num país democrático para garantir seus direitos através da utilização da justiça.

Num primeiro momento, insatisfeita com o procedimento da Escola de Samba "Unidos do Viradouro", a FIERJ conversou até a exaustão, através de seu presidente. Em todos os diálogos, nenhuma informação geral sobre o tal carro alegórico da discórdia foi oferecida pelo carnavalesco ao representante dos judeus. Escondeu-se nas conversas, a existência de um "Hitler" fantasiado que sambaria sobre o tal carro da discórdia.

A FIERJ foi parar na justiça e obteve a liminar que impediu tal absurdo. Muita gente vai dizer que os judeus mandam na justiça. Mentira. Direito atacado deve ser defendido. E, garantido pelo judiciário. Seja quem for o reclamante. Essa é a única fórmula de igualdade que existe na democracia. A organização de grupos de pressão social, a competência para exigir direitos e a coragem para exercer com plenitude a cidadania.

Que esse exemplo sirva de norte para todos que se sentem esbulhados naquilo que para si, são direitos inalienáveis e que para a justiça, devem ser garantidos. Um Brasil melhor para nossos filhos depende da nossa coragem para agir pela garantia da tranqüilidade que ninguém tem o direito de lesionar.

Parabéns a Sérgio Niskier e aos seus diretores que acabam de dar um belo show mundial, no carnaval do Rio de Janeiro". (Ronaldo Gomlevsky)

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